Thursday, August 30, 2007
Sunday, August 12, 2007
(3)
Tão perto
Sebastiana mora sozinha numa peça alugada. Pequena e velha, cabem poucas coisas ali. Ela tem poucas coisas: uma cama, uma estante, um televisor, um fogão. Também tem um filho internado para tratamento psiquiátrico, bem perto, duas quadras da rua onde mora. Sebastiana é tranqüila e lúcida: o filho ela trata desde bem pequeno!
Pedro não move a perna direita. Vive de favor nos fundos de uma serralheria. O dono permitiu, mas Pedro não pode sair aos sábados e domingos. A serralheria fica fechada, as chaves ficam com o Vilmar, o proprietário.
Sebastiana chega ao hospital antes das sete horas da manhã. Já é conhecida por todos os funcionários e entra devagar, no seu passo velho. O filho tem dias de amuado, não fala com ela, passa assim, quieto. Sebastiana não se importa, admira o filho daquele jeito: é o que Deus deu. O marido, morto há 25 anos, batia nele. Mas ela não, ela sempre teve calma.
Apesar de não movimentar a perna direita, Pedro faz caminhadas todos os dias pela quadra. Empurrando um velho carrinho de supermercado ele segue improvisando os passos. Com pedaços de uma bicicleta velha da serralheria ele achou também uma maneira de fazer exercícios. O médico fala que é bom. Algumas coisas do corpo do Pedro também são da serralheria.
Sebastiana volta para casa pelas seis da tarde. Não tem dormido direito. O homem que aluga a peça ao lado bate nas paredes, arranca pedaços. Ela está procurando outro lugar - o aluguel está alto, cortaram a luz e a água -, mas é coisa demorada, é difícil encontrar espaço para algumas coisas. Encontra a mulher que mora na peça ao lado, com a filha, as duas trabalham com antigüidades.
- E a nossa velhinha? Como vai a nossa velhinha? - diz a mulher. Ela encosta a mão no ombro de Sebastiana e ela dá um sorriso agradecido.
- E os negócios, minha filha? - Sebastiana sempre preocupada, querendo saber das pessoas e de suas vidas.
- Vendendo pouco, vendendo pouco.
As duas entram na casa branca e comprida de janelas marrom.
Pedro empurra o carrinho de volta à serralheria. Está atento ao movimento que acontece lá. Ele sabe que o Vilmar anda metido com drogas. Durante a noite o movimento cresce ainda mais na serralheria. Pedro se tranca no quartinho, fica quieto. Eles vêm aqui, cheiram e ficam loucos. Pedro pensa em mudar de lugar, procurar outra casa. Mas é coisa demorada, é difícil encontrar espaço para algumas coisas. Antes de entrar na serralheira, Pedro ouve uma porta batendo e olha para outro lado da rua.
Tuesday, August 07, 2007

Sunday, August 05, 2007
Pinta os olhos com força. Realça. Verde em todo o contorno. Em cima. Embaixo. O espelho é pequeno mas ela vê tudo. É de manhã cedinho. Os taxistas que vararam a noite ainda conversam alto na frente do Bar Carinhoso. Dois ou três restos de madrugada vagam pelo início do dia. Bêbados.
Agora coloca os brincos. Grandes. Vistosos. Dourados. Dá mais uma olhada no espelho. Uma olhada de cada lado. Bonito! Começam a passar os primeiros ônibus da manhã. Rápidos. Mais um dia começa naquela esquina.
Depois de seis anos morando num abrigo, ela decidiu procurar a rua. Cansou da cara das pessoas, cansou do lugar.
Ela era realmente um doce de pessoa, só queria descobrir outras coisas. Acordou mais cedo um dia, talvez uma segunda-feira, juntou um saco plástico, uma muda de roupa, um estojo de maquiagem que ganhara de uma amiga. E só. Saiu como quem sai de passeio, como quem sai por aí.
No começo ela foi procurada. Mas por pouco tempo. Buscou um lugar fixo, só para dormir. Encontrou uma calçada, uma calçada movimentada, um cantinho perto da porta do Bar Carinhoso, que enchia de gente nas noites de pagode. Ali se sentia acolhida, menos só.
O barulho começa cedo da manhã na esquina. No meio das coisas estendidas na calçada ela procura o vestido preto. Acha. Tira a roupa amassada da noite mal dormida. Coloca o vestido amassado, tirado do saco de suas poucas coisas. O fecho fica aberto. Está quebrado. Passam pela rua dois rapazes que trabalham na padaria.
O sapato é daqueles de plástico. Fáceis de colocar, ainda mais com duas tiras cortadas. Aquelas que apertavam muito. Está pronta. Junta os pertences do chão. O saco preto tem bastante espaço. Como travesseiro ela costuma usar uma blusa velha de lã. Daí é só dobrar e ensacar.
Friday, August 03, 2007
(1)
(Adriane Canan)
Naquele dia banhou-se como nunca havia feito com sabonete novo e depois usou perfume comprado de catálogo dos mais caros para ficar demais cheirosa e preparada. Depois no roupeiro procurou o vestido branco de renda nos braços finos. Colocou-o com tranqüilidade e com olhar profundo no espelho.
Os cabelos ainda estavam por pentear e esperavam por eles os dois prendedores plásticos da cor do vestido que já estava vestido. Faltava o sapato que era talvez velho e de pouco uso.
Eram oito horas da manhã e saiu de casa arrumada. Passeou na cidade pequena com seus olhos guardando cada pedaço. Tinha deixado tudo pronto em casa e as horas passaram lentamente naquele sábado. Seria um dia com final feliz. Voltou já era noite. Foi enterrada junto ao noivo motorista de caminhão que um dia não voltou de viagem.

Wednesday, August 01, 2007



Vi em Porto Alegre, no final de semana, o filme Paris, Je T'Aime. São 21 curtas de diretores de vários países. Histórias curtas e delicadas sobre personagens em Paris. Recomendo!
Wednesday, July 25, 2007

Adriane Canan (Madri, 1º de maio de 2002)
Palacio de los Festivales. Gran Vía. Madri. Espanha. Por volta das oito horas da noite. Eu e uma baiana, que divide o quarto do albergue comigo, estamos na fila do cinema. Assistir a um novo filme de Pedro Almodóvar em Madri é, no mínimo, um bom programa para uma noite de 1º de maio, depois de um dia cheio de manifestações e de dois atentados com bombas na capital espanhola, um dos quais um pleno jogo entre Real Madrid e Barcelona, felizmente sem vítimas. Vamos lá. Bilhetes. Outra fila. Entrega de bilhetes e a surpresa – talvez para nós, saídas da América Latina, acostumadas às salas de cinema brasileiras – o senhor da bilheteria nos diz, apontando com o dedo: “Usted, señorita, por ahí!”. Prontamente me dirijo até a porta indicada. “Usted, señorita, por allá!”. A baiana me olha, desconfiada, mas segue o dedo do espanhol com cara de poucos amigos. Entramos. A sala está quase vazia. Mas eu e a minha amiga somos obrigadas a ver o filme uma em cada canto do cinema: “Los billetes son marcados, señorita!”.
É só um nariz de cera. Vamos ao filme, enfim.
Abrem-se as cortinas de um teatro e a dança de Pina Bausch salta da tela.
Hable com ella, para mim, que não sou lá uma especialista em Pedro Almodóvar (aliás, em coisa nenhuma!), sustenta a paixão e o desejo sempre presentes nos filmes do cineasta. Mas, dessa vez, apesar da presença forte das mulheres, é principalmente dos homens que ele trata. Benigno (Javier Cámara, que também pode ser visto em Lucía y el sexo, de Júlio Meden), é um homem que ama, e muito. Marco (Darío Grandinetti, ator argentino de Rosário, que eu já havia visto num filme de 1996, chamado Despabílate amor, de Eliseu Subiela), está perdido entre passado e presente, não sabe se ama. No meio dos dois estão Alícia (Leonor Watling) e Lydia (Rosário Flores): uma, bailarina, frágil e jovem; a outra, uma toureira, criada para viver no mundo masculino das touradas, mais velha, mas não menos frágil. Eles precisam falar com elas. E o filme nos conduz pelo labirinto de desejo e paixão entre Benigno e Alicia, Marco e Lydia, Benigno e Marco...A solidão, a desolação da loucura de uma paixão, o silêncio do corpo, o coma e a morte estão presentes. Sempre.
Num roteiro que me pareceu meticuloso e sensível, Hable con ella torna-se, na minha opinião, mais tocante que Todo sobre mi madre. Talvez, e me perdoem, por parecer mais real, mais possivelmente cotidiano, levando-se em conta, claro, a realidade espanhola e suas viscerais relações com os touros e com as pessoas. Também menos provocante, se esse é o termo, que filmes anteriores do cineasta. Mas não, espere, há também, em Hable con ella, agressões explícitas, carnais e anti-moralistas.
Também, e com muito destaque, aparece a participação de ilustres conhecidos. Está na tela Geraldine Chaplin, filha mais velha de Charles Chaplin. Para nós, brasileiros – e fiquei com vontade de gritar no meio do cinema: “Ei, eu sou brasileira!” - , há um “certo” amor pelo Brasil que Almodóvar declara abertamente. Duas seqüências imaginadas pelo cineasta têm as vozes de Caetano Veloso e Elis Regina. Caetano aparece em carne e osso (ou não!), dentro de um sonho do personagem Marco, numa espécie de sarau, cantando “Cururucucu Paloma”. Eu diria, uma “mega” participação do baiano. Elis solta sua voz numa declaração de amor de Almodóvar à tauromaquia com “Por toda minha vida”. Está lá, também, e para nosso orgulho, uma bela citação sobre o maestro Tom Jobim.
Aqui estamos, em Madri, dentro de um filme de Almodóvar. Pina Bausch volta e emociona mais. Agora voltamos para o albergue. Rindo da situação da entrada. Pensando na morte e na vida. Em cada imagem da Espanha e de Almodóvar. Com alguma saudade do Brasil.
Friday, July 20, 2007

Tuesday, July 10, 2007
Yo quiero luz de luna
Para mi noche triste
Para soñar divina
La ilusión que me trajiste
Para sentirte mía, mía tú
Como ninguna
Pues desde que te fuiste
No he tenido luz de luna
Pues desde que te fuiste
No he tenido luz de luna
Si ya no vuelves nunca
Provincianita mía
A mi senda querida
Que está triste y está fría
En vez de en mi almohada
Lloraré sobre mi tumba
Pues desde que te fuiste
No he tenido luz de luna
Pues desde que te fuiste
No he tenido luz de luna
Yo siento tus amarras
Como garfios, como garras
Que me ahogan en la playa
De la farra y el dolor
Y siento tus cadenas a rastras
En mi noche callada
Que sea plenilunada
Y azul como ninguna
Pues desde que te fuiste
No he tenido luz de luna
Pues desde que te fuiste
No he tenido luz de luna.
Saturday, July 07, 2007
Thursday, July 05, 2007

25 Watts, nas palavras de Rebella: "25 Watts é um filme de muito baixo orçamento, que rodamos em 16mm. De certa forma, é um filme autobiográfico, que narra um dia na vida de três amigos. 25 Watts não tem exatamente uma trama, mas sim várias cenas em planos longos, com muito humor e também um pouco de melancolia e saudade. Levamos este filme ao festival de Roterdã, foi nossa primeira vez num festival. Foi um grande sucesso, fomos premiados em Havana e muitos outros festivais". Clique aqui e leia íntegra da entrevista.
Wednesday, July 04, 2007
Minha amiga Jorane Castro, lá de Belém, está divulgando seu curta-metragem Quando a chuva chegar. Lemos juntas esse roteiro, em 2003, na beira da piscina da Escola de Cinema de Cuba!!
A moça é das profis. Já tem no currículo o curta Mulheres Choradeiras, que foi exibido em Cannes, e o documentário Invisíveis Prazeres Cotidianos, sobre blogueiros da capital paraense. Quem quiser curtir uma prévia do novo trabalho da Jô pode acessar no youtube:
www.youtube.com/watch?v=eqqPCWovWSo
Entre setembro e outubro de 2003, estive em San Antonio de Los Baños, Cuba, na Escuela Internacional de Cine y Televisión, a EICTV. Tempo maravilhoso, na escola fundada por caras como Gabriel García Marquez e Fernando Birri. Fiz grandes amigos de vários lugares do mundo. Coisas surreais aconteceram! Aprendi muito de roteiro com pessoas muito, muito especiais. Pra matar a saudade, publico abaixo algumas fotos que fiz em La Habana. As fotos saíram também no Papel Jornal, do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, em 2005.


