Saturday, September 22, 2007

De que são feitos os dias?

De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias,
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...

Cecília Meireles

Tuesday, September 18, 2007

Recebi do Fernando Evangelista o vídeo Tchau, pai. Tocante.

http://br.youtube.com/watch?v=9CQno9hKJQM

Saturday, September 15, 2007

A função da arte

Diego não conhecia o mar.
O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando,
pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar!

[Eduardo Galeano, em O livro dos abraços]

Friday, September 07, 2007

Arte: Gustavo de Souza

Brasil Plural divulga curtas selecionados!

Confira no BLOG do Brasil Plural os curtas brasileiros que vão para a Europa na 10ª edição!

Thursday, September 06, 2007

Da série Contos de Gaveta:

(4)
Latinhas
(Adriane Canan - Porto Alegre, 2001)

Chicão era conhecido por todos na cidade. Na verdade não por ele mesmo, mas por sua mania de colecionar latinhas. Ao lado de sua casa, no alto do morro, erguiasse um tremendo monte delas. Eram de todos os tipos e formas: redondinhas, chatas, quadradas, retangulares e muitas outras. Quem passava todos os dias lá embaixo na estrada ficava admirado com a altura cada vez maior daquela que parecia uma cordilheira formada por latinhas velhas, enferrujadas pelo tempo.
- É mesmo um louco o Chicão! Passa a vida juntando tranqueiras - diziam todos.
Mas o Chicão nem ligava. Tinha suas razões. Durante o dia saia pelas ruas, batucando com um pequeno pedaço de madeira numa de suas latinhas. Era um jeito de chamar a atenção das donas-de-casa que, já sabedoras que eram da mania do vivente, guardavam os recipientes vazios para presenteá-lo. Passava muito bem por louco o Chicão. Não foram poucas as vezes que tomou banho de mangueira forçado no posto de gasolina, empurrado pelos frentistas. É que o Chicão, na sua loucura pelas latinhas ou marcado pela pobreza do lugar onde vivia, esquecia-se dos banhos.
Era uma lenda o Chicão. Anos e anos se passaram sem que ninguém conseguisse entender sua fascinação pelas latas. Às vezes as pessoas se davam conta também que mesmo do Chicão nada se sabia.
- Cresceu sozinho. Não conheceu a mãe. É meio retardado o coitado.
Então, por aqueles tempos, apareceu na cidade uma mulher. Vinda não se sabe de onde, fez sua primeira aparição na missa do domingo. Bem na hora do sermão, entrou na igreja, passos rápidos em direção ao altar. Começou a falar muito alto, num despejar de palavras quase impossível de entender. Nos bancos, ajoelhadas, as pessoas que acompanhavam a missa observavam estupefatas que aquela mulher, maltrapilha e descabelada, como saída de um redemoinho, tinha feições familiares.
Naquele momento, estrondo ensurdecedor se fez ouvir num raio de milhares de quilômetros. Era como se milhões de sinos estivessem tocando ao mesmo tempo, num mesmo lugar, mas com um volume descomunal. E lá, no alto do morro, o Chicão sorria feliz enterrado até o pescoço em sua enorme montanha de latinhas.

Sunday, September 02, 2007


Tão longe, tão perto (Win Wenders, 1993)