Friday, May 29, 2009


Certa vez, em Puerto Montt

Certa vez, em Puerto Montt
Onde o Chile encontra seu Sul
Eu vi dois velhos barcos encostados um no outro.

Certa vez, em Puerto Montt
Onde o vento frio distrai o olhar
Eu vi o mar bem perto, de cima das pedras.

Certa vez, em Puerto Montt
Onde a noite se esconde em hotéis de luz incerta
Eu me vi, esperando.
Da série Escritos

Re-publicando

ALMA

Irina tinha a cabeça baixa e a alma quebrada quando entrou na sapataria. Sentiu que estava suando e esfregou as mãos úmidas na blusa com força. Só então olhou para trás do balcão do pequeno estabelecimento, abarrotado de sapatos esquecidos, de jornais velhos pendurados nas prateleiras de madeira e de sacolas com fechos quebrados. Ao encontrar o olhar daquele homem alto e gordo, de bigodes ralos grudados pela mesma cola que sufocava o ambiente, ficou com a impressão de que o sapateiro sabia de tudo. Encheu os olhos d’água, sentiu uma leve tontura, mas deu dois passos, apoiou-se no balcão e disfarçou tirando a sandália vermelha da sacola e abrindo um sorriso meio de lado: talvez não houvesse mais conserto, ela se enfiara num buraco sem saída, sentira-se presa, não dava para explicar:
- Aí, bom, quebrou. É isso...
Viu um filtro na mesinha cheia de ferramentas do sapateiro e pediu-lhe água. Precisava se acalmar um pouco antes de saber a opinião do homem. Perguntou se podia sentar. Ele apontou o banquinho forrado de couro. Sentou-se, ajeitou a bolsa no colo e ficou observando o sapateiro que analisava o calçado.
Irina sabia que seria difícil aceitar que terminasse assim, e não tirava aquilo da cabeça. Era uma ótima esposa, fazia tudo para que os fins de semana fossem maravilhosos e que os programas feitos com o Francis tivessem todos os ingredientes daqueles inesquecíveis. As fotos comprovavam todas as aventuras que viveram juntos: Arembepe, Bombinhas, São Francisco de Paula no invernão! Sem falar, é claro, do álbum do casamento: aquela era uma união apaixonada, cheia de coisas em comum, bastava ver a cara dos amigos. E o movimento estudantil? As passeatas? O voto convicto no mesmo projeto político? E a reforma da casa? E O Tigre e o Dragão naquele domingo no cinema? O disco do Chico Buarque comprado num sebo em São Paulo? E ainda havia a história dela levar até o trabalho para perto de casa, para perto do Francis. Os contra eram bem poucos. Ela não gostava de futebol – e aquele enorme pôster do Internacional colado na parede suja da sapataria! -, e era um pouco ingênua para certas coisas. Havia também aqueles sonhos de adolescente, que poderiam levá-la para longe. Mas não era coisa para briga tão feia. Ir para casas separadas, ficar sem se falar, e ainda, que merda!, o buraco e o estrago na sandália vermelha.
Bebeu a água em pequenos goles e sofreu quando o sapateiro puxou o salto com tanta força que descolou tudo.
- Está aqui o problema – disse o homem. Ele tinha uma voz bonita, forte e amiga. Tentaria resolver, mas o conserto era difícil. Estava quebrada na peça de metal entre o salto e a sola, a alma: - Problema assim, dona, pode ser até que não tenha jeito.
Ela sentiu vontade de chorar bem alto. Respirou fundo e disse meia dúzia de palavras que saíram sem pensar:
- Bom, vê o que dá pra fazer. Passo aqui amanhã ou semana que vem ou no próximo mês ou...
Levantou-se, colocou o copo no balcão depressa para não mostrar a tremedeira e pensou na Marina. Achou que seria legal dar um pulinho na casa da amiga. Perguntou se não estaria abusando se usasse rapidinho o telefone da casa, o celular estava sem bateria. O homem foi atencioso, alcançou o telefone até o balcão e explicou que a tinta branca dos números tinha desaparecido porque os dedos molhados de cola ou água castigavam as teclas há tempo. Ela disse que tudo bem e digitou com rapidez os números que tinha na memória. Pediu pra Marina se dava para passar lá e conversar um pouco. Largou o fone no gancho, olhou com carinho para o sapateiro e agradeceu a gentileza. Queria muito cuidado com a sandália vermelha, passaria ali como combinado para saber do conserto. Encontrou a tarde já caindo na rua e entrou no carro com a cabeça doendo. Ligou o rádio e ouviu As rosas não falam, do Cartola, bem baixinho. Quando chegou no prédio da Marina o sol já tinha se posto, mas os apartamentos estavam com as luzes acesas.

Monday, May 25, 2009

Espírito de Porco

Dauro Veras avisa: trailer do documentário Espírito de Porco já está na rede.
Clique aqui para ver.

O doc tem direção do Dauro e do Chico Faganello.

Monday, May 18, 2009

[são bonifácio, domingo, final de tarde]
[império das luzes, magritte]
....
no domingo visitamos amigo que mora na serra.
dia de frio e sol.

na casa que ele está construindo, encontrei a reprodução de quadro do magritte,
que gosto muito. ainda não está na parede, está esperando tudo ficar pronto.

finalzinho da tarde fui caminhar com a amanda e fizemos algumas fotos.

hoje, ao postar, me dei conta de pequenas semelhanças.
a luz estava, realmente, um espetáculo.
são benedito. são bonifácio
[imagens de referência]
duas árvores

beijo úmido

aconchego na luz

império das luzes de são bonifácio
[cenas de um domingo em são bonifácio]

menina e flor

menina e rio

menina na loja

menina e flor (2)

menina na estrada



Wednesday, May 13, 2009

Correria na hora do almoço. Ficamos fora de casa a manhã toda e Amanda tinha vários deveres da escola. Atrasou tudo!

Ônibus escolar quase chegando.

- Filha, escova os dentes, rápido!

- Mas falta pintar uma coisa!

- Deixa que a mãe te ajuda, vai escovar os dentes.

Pintei o que faltava. Era pouco, quase nada: uma palavra cruzada com o número 'vinte e sete' por extenso.

Ela volta do banheiro:

- Ai, graças a Deus ter uma mãe que sabe fazer as coisas!

O ônibus chegou.

Monday, May 11, 2009

Antipoesia na UFSC

Saturday, May 09, 2009


Cinema na Favela apresenta a 3ª Mostra Brasil de Cinema na Lagoa da Conceição.
Para mais detalhes, clique aqui

Wednesday, May 06, 2009

O gosto doce da carne

Sozinha, sentada num canto do café, observava os dois. Ela comia uma torta de chocolate com mastigadas lentas, como quem mexe os quadris, delicadamente. Quieta. Ele não mastigava nada, mas também comia. Comia-lhe os seios de pele branca. Comia-lhe o pescoço, macio. Comia-lhe as mãos e seus dedos finos. Com o café expresso, gole após gole, empurrava para dentro de si pequenos pedacinhos daquela alva doçura. Saíram abraçados. Satisfeitos.

Tuesday, May 05, 2009

Convite da Kátia Klock

Monday, May 04, 2009

"El traje que vesti mañana
no lo ha lavado mi lavandera:
lo lavaba en sus venas otilinas,
en el chorro de su corazón, y hoy no he
de preguntarme si yo dejaba
el traje turbio de injusticia.

Ahora que no hay quien vaya a las aguas,
en mis falsillas encañona
el lienzo para emplumar, y todas las cosas
del velador de tanto 'qué será de mi'
todas no están más mias
a mi lado.

Quedaron de su propriedad,
fratesadas, selladas con su trigueña bondad

Y si supiera si ha de volver;
Y si supiera que mañana entrará
a entregarme las ropas lavadas, ni aquella
lavandera del alma. Que mañana entrara

Satisfecha, capuli de obreria, dichosa
de probar que si sabe, que sí puede
Y como no va a poder!
azular y planchar todos los caos"

(Cesar Vallejo)

Sunday, May 03, 2009

É o Que Me Interessa
Lenine

Daqui desse momento
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
Assombram a paisagem
Quem vai virar o jogo e transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado só de quem me interessa

Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o teu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurre em meu ouvido
Só o que me interessa

A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa.
Tô com a mesma pregui...
E hoje já é domingo!
As véia são do Frank