“No lo miraria en los ojos”
11 de setembro de 2001. No dia em que as atenções do mundo se voltavam para o atentado em NY, aqui, na América Latina, o Chile lembrava os 28 anos do Golpe Militar que derrubou o governo socialista de Salvador Allende. Um golpe que derrubou a esperança.
O Chile lembrava os milhares de mortos e desaparecidos sob o peso da ditadura de Augusto Pinochet. Lembrava de gente como o músico Victor Jara, que teve os dedos das mãos e a língua cortados. Victor não poderia mais cantar e tocar Te recuerdo Amanda. Victor não queria la patria dividida...Victor foi calado e morto!
Em 11 de setembro de 2001, eu trabalhava na Fm Cultura, rádio educativa de Porto Alegre. Preparamos uma matéria, eu e o colega Germano Maraschin, sobre os 28 anos do golpe. Era uma entrevista com Patrícia Verdugo, jornalista que escreveu o livro “A caravana da morte”. Foi este livro um dos principais fundamentos com os quais o juiz espanhol Baltazar Garzón abriu processo contra Pinochet. Patrícia teve o pai morto pela ditatura. Patrícia diz, na entrevista, que não olharia Pinochet nos olhos, pois tem a sensação de que o terror das vítimas sempre fica preso nos olhos do assassino:“Yo no lo miraria en los ojos”.
A matéria já estava pronta para ir ao ar no programa Cultura na Mesa, ao meio-dia daquele 11 de setembro de 2001, junto com diversas outras. E os aviões explodiram contra os prédios. No jargão jornalístico, “derrubamos” tudo que estava previsto para o programa e passamos a pensar a cobertura dos atentados. A única matéria prévia que colocamos no ar foi, exatamente, a dos 28 anos do Golpe no Chile. Havia uma relação histórica, afinal, a ditadura chilena teve, desde o planejamento do golpe, o apoio irrestrito dos Estados Unidos da América. A história demonstrou.
Estive no Chile por três vezes na década de 90. Foram momentos inesquecíveis participando do Encontro Latino-Americano de Teatro Popular. Na periferia de Santiago, recebidos nas casas da população mais pobre, nos sentíamos felizes e percebíamos com clareza que ainda havia esperança, mesmo depois de 17 anos de uma ditadura absurda e sangrenta. Lembro das Hormiguitas, um coletivo de mulheres que trabalhavam juntas, desde o início da década de 70, desde Allende. Elas nos contaram muitas histórias.
Com o Pablo, companheiro chileno com quem dividi alguns anos, também aprendi muito sobre o Chile. Nossa filha se chama Amanda!
Hoje, quando o povo chileno volta às ruas. Hoje, quando o Chile despertou sem a sombra do ditador sanguinário que dizia que “nenhuma folha se move no Chile sem que eu me mova”, lembrei daquele 11 de setembro. E de cada amigo chileno. Das Hormiguitas...E pensei em minha filha Amanda e em Victor Jara!
Viva Chile libre!
Ouça aqui a matéria com Patrícia Verdugo!
(Se preferir, clique aqui para abrir ou baixar o arquivo com a entrevista.)
* A disponibilização da matéria em áudio contou com a ajuda grandiosa do amigo jornalista Alexandre Gonçalves! Gracias, hermano!