Friday, October 24, 2008

'Só erra quem produz. Mas, só produz quem não tem medo de errar."

Octavio Paz
[escritor, poeta e diplomata mexicano, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990]

Wednesday, October 22, 2008

Da oficina de contos do SESC [primeiro semestre de 2008]

Vértigo

Tinha pés miúdos, lembro bem. E, mesmo assim, subia depressa. Sim, depressa, mas com o cuidado de quem ajeita as flores de um caixão. Pé ali, pé aqui. Pé ali, pé aqui.
E eu ficava lá, boba, olhando. Aos 16 anos, achava que não alcançaria, nunca, a certeza de seus pés pequenos de menino sobre o tronco daquela árvore cheia de rugas e segredos nossos.
Tinha medo, na verdade. Tinha medo.
Um dia, talvez, eu arrancaria com os dentes alguma coragem, do fundo de meu pânico, e subiria rápido também.
Só não esperava aquele gesto. Não dele.
- Vem – disse-me.
E eu, louca de raiva - saliva doce entre os lábios -, alcancei-lhe a mão.
Foi o começo do abismo.

Passei a viver da vertigem.
Anotava cada dia depois de dia num caderninho velho.
Abismo, abismo.
Sonhava-me com asas nos pés. E anotava. Sonhava-me um tronco forte. Sem medos. E escrevia lá cada detalhe de minha fortaleza. Enxergava seus pés miúdos e certeiros procurando os meus, débeis.

Fui ele mesmo, o abismo. Tentação súbita, ao seu lado.
Era exato e certeiro, sempre. Segurava-me como árvore frondosa. E dava-me às alturas. Árvore-homem-árvore.

Passei os anos vivendo a vertigem.
Até o fim.
Apoiando-me nas paredes, subi as escadas tortas. Segurando-me em meus braços, vinha eu. Olhei para cima, antes. A mesma sensação encravada no peito, como pedra atirada em ninho-passarinho. Tentei seguir-lhe o exemplo: pé aqui, pé ali.
Faltou-me a mão estendida:
- Vem.
Faltou-me. Estava presa ao gesto:
- Vem.
Subi, lenta. Saliva fria entre os lábios. Nenhuma raiva.
Já no alto, alívio-dor.
Abri a porta do quarto, sentia o cheiro ácido do desespero.
Aproximei-me da cama. Olhos fechados, nenhum suspiro, último. Pareceu-me, assim mesmo, com a certeza de sempre.
Dei-lhe um beijo nos pés miúdos. Beijei-lhe todos os pedaços, com o cuidado de quem se despede.
Foi, eterno, o começo do abismo.

Adriane Canan

Friday, October 17, 2008

Imortais, claro

É por ser gremista - e ter bons amigos - que agora faço parte de um seleto grupo de jornalistas imortais que escrevem no blog Onze Mosqueteiros. Estamos lá, por ordem alfabética: eu (sim, pq eu começo com A), Andressa Taffarel, Carol Mazzonetto, Cássio Turra, Diego Zucolotto, Emerson Gasperin, Gastão Cassel - gremista de quatro costados e o grande responsável por tudo isso! -, Jeferson Cioatto, Marta Scherer, Rayana Borba e Upiara Boschi.

Reproduzo abaixo a minha primeira participação no blog:

Um tio querido, um time amado

Vou estrear aqui contando uma história singela, mas que diz bastante do meu sentimento em relação ao Grêmio.

Meu pai é colorado. Pasmem, cheguei a torcer pro Inter ganhar o tal campeonato mundial - quando foi mesmo?! Das duas, uma: ou o pai teria um ataque do coração de tristeza ou um de alegria... Perigava meu velho sofrer demais, então decidi que seria melhor de alegria. Convenhamos que, pra uma filha, nada como ver o pai feliz, apesar de colorado.

Mas foi só.Meu pai é colorado. E eu, desde pequena, sabia disso ouvindo os gritos dele - "Figueroa! Figueroa!" - , nos domingos de jogo. Naquele tempo o co-irmão tinha bons jogadores, justiça seja feita. Acontece que, além de colorado, meu pai era tratorista. Lá nos idos da década de 70, interior de Santa Catarina, o pai abriu muita estrada ligando as cidades do Oeste. Saía de casa na segunda, voltava no sábado. Nos víamos muito pouco, eu e o pai, naquelas épocas. Nos víamos nos domingos. Por causa do trabalho, ele passou algum tempo distante de mim. Tempo fundamental para alguém decidir o time do coração.

Meu tio mais novo, que morava com a gente, era GREMISTA. E estava sempre comigo. Não que o pai não quisesse ou fosse relapso, mas o tio teve, nesta época, a vantagem de brincar comigo todos os dias. E ele é o tio mais querido do mundo. Me deu uma camiseta do Grêmio, de malha, decote "V", coisa mais linda. Eu devia ter uns 4 ou 5 anos. O tio sabia das coisas. Me levava pra tudo que era lado: ia namorar, me levava junto! Ia buscar fruta no interior, com seu fuscão azul, e me levava junto. Me dava aulas de violão. Me ensinou o hino do Grêmio.

A verdade é que, quando meu pai percebeu, era tarde demais.

Te amo mesmo assim, pai!



Passa lá no blog!

Monday, October 06, 2008

Thursday, October 02, 2008

Exercícios de oficina

Cada coisa tinha o devido lugar em sua vida. Decisões minuciosas. As meias na gaveta das meias, e separadas sempre por cor – verde com verde, fúcsia com fúcsia. A mesma coisa na geladeira: nada mudava de lugar, nunca. O lugar do pote de manteiga seria sempre o lugar do pote de manteiga, e ponto. Para as coisas do coração havia uma decisão antiga e não menos taxativa: elegera a cama de solteiro da casa dos pais como herança.
Ela trocava a fronha todos os dias: amanhecia sempre encharcada.


---------------------------

Comecei cedo a perceber que não caberia em espaços pequenos: gostava de admirar o céu nas noites quentes, imaginando-me em cada estrela, tocando cada uma delas com as mãos. E era a imensidão. Daí deitava na cama e fechava os olhos: e era a imensidão.


---------------------------

Vestia saia florida e blusa vermelha. Sentada no ponto do ônibus, cabelos grisalhos, olhou-me assim que cheguei:
- Morax aqui pertinho, nega?
Não, eu disse, moro um pouco mais pra lá, na direção da universidade.
- Tu não conhecex a minha filha, guria? A Lucileide? Ela mora por aqui...
Não, disse eu novamente.
Ajeitou-se nervosa no banco. Calçava sandálias de plástico e respirava com a mesma rapidez com que movia as mãos junto à bolsa de renda:
- Ela também non pára em casa, nega, nunca vi, ô!

Wednesday, October 01, 2008


Mafalda

A personagem Mafalda, do artista gráfico argentino Quino, completou 44 anos no dia 29.09. Adoro essa quarentona!