Exercícios de oficina
Cada coisa tinha o devido lugar em sua vida. Decisões minuciosas. As meias na gaveta das meias, e separadas sempre por cor – verde com verde, fúcsia com fúcsia. A mesma coisa na geladeira: nada mudava de lugar, nunca. O lugar do pote de manteiga seria sempre o lugar do pote de manteiga, e ponto. Para as coisas do coração havia uma decisão antiga e não menos taxativa: elegera a cama de solteiro da casa dos pais como herança.
Ela trocava a fronha todos os dias: amanhecia sempre encharcada.
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Comecei cedo a perceber que não caberia em espaços pequenos: gostava de admirar o céu nas noites quentes, imaginando-me em cada estrela, tocando cada uma delas com as mãos. E era a imensidão. Daí deitava na cama e fechava os olhos: e era a imensidão.
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Vestia saia florida e blusa vermelha. Sentada no ponto do ônibus, cabelos grisalhos, olhou-me assim que cheguei:
- Morax aqui pertinho, nega?
Não, eu disse, moro um pouco mais pra lá, na direção da universidade.
- Tu não conhecex a minha filha, guria? A Lucileide? Ela mora por aqui...
Não, disse eu novamente.
Ajeitou-se nervosa no banco. Calçava sandálias de plástico e respirava com a mesma rapidez com que movia as mãos junto à bolsa de renda:
- Ela também non pára em casa, nega, nunca vi, ô!
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