Alto risco
por Eglê Malheiros *
É preciso que nós habitantes de Florianópolis, tanto os aqui nascidos como os vindos de fora, que realmente vivemos a cidade, tomemos ciência do risco que corremos. Estamos ameaçados de virar paisagem, elementos de composição de ambiente, exotismo que tempera a sobrexposição do fator tecnológico na construção dos edens para os happy few. Viramos paisagem ao mesmo tempo em que as belezas (e riquezas) naturais são apropriadas e maltratadas pelos grupos econômicos, mormente os ligados ao capital volátil do cassino financeiro internacional.
Seria de esperar (ou melhor, não seria, dado fatos pretéritos) que os governantes tirassem lições da crise em processo e tivessem um pouco mais de recato em acenar para os entes financeiros com facilidades jamais sonhadas, não se envergonhando nem de bancar os rufiões, dizendo que somos lucro garantido além de termos “mulheres lindas”.
Campos de golfe verdejam por cima das dunas, reservas ambientais são tomadas por condomínios, os mesmos atores das grandes falcatruas internacionais são recebidos como hóspedes desejados. Se não nos mobilizarmos cobrando das autoridades o cumprimento de suas obrigações – governar para o povo, com o povo e pelo povo, proteger nossa cultura, não deixando que as manifestações populares virem enfeite para dar “cor local” à indústria do turismo, impedir que o intercâmbio vire reles macaquear do que se faz lá fora, estimular a ação da sociedade em vez de tentar enquadrar movimentos sociais –, se isso não acontecer qualquer dia ao abrirmos os olhos veremos um cartaz à entrada, semelhante ao que havia em Pequim no tempo dos protetorados estrangeiros: “Proibida a entrada de cães e chineses”.
Releio o texto e me dou conta de estar a ponto de cometer grande “injustiça”. A pressa é inimiga da perfeição, não há que ter pressa, é só esperar até outubro. Outubro é o mês da “redenção”, a confiar no senhor Edson Busch Machado. Em outubro as agruras do transporte público, os professores mal pagos, a Biblioteca Pública (salva por nossa gente e precisando de recursos), o caos nas emergências, violência, carestia, tudo se esfumará no horizonte. Nós, que segundo essa autoridade fomos ovacionados em Marrakech, devemos sediar um Festival Internacional de Mágica; nossos hóspedes educados e altruístas de maneira nenhuma deixarão de agradecer a seus hospedeiros (nós, manés, zé-povinho, pois tudo é feito com nosso dinheiro) e num passe de mágica farão de nossas vidas um manso lago azul, com nossos problemas definitivamente resolvidos.
* Escritora
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