Tuesday, April 26, 2011

Tão perto

Sebastiana mora sozinha numa pequena peça alugada, uma das muitas de uma casa branca e comprida de janelas marrom. Pequena e velha, cabem poucas coisas ali. Ela tem poucas coisas: uma cama, uma estante, um fogão. Também tem um filho internado para tratamento psiquiátrico, bem perto, menos de duas quadras da rua onde mora. Sebastiana é tranquila e lúcida. Do filho cuidou sempre. Sempre sozinha.
Ela sai de casa todos os dias. Bem cedo.

Pedro não move a perna direita. Vive de favor nos fundos de uma serralheria. O dono permitiu, mas Pedro não pode sair aos sábados e domingos. A serralheria fica fechada e as chaves com o Vilmar, o proprietário.

Sebastiana chega ao hospital antes das sete horas da manhã. Já é reconhecida por todos os funcionários e entra devagar, no seu passo velho. O filho tem dias de amuado, não fala com ela, passa assim, quieto. Sebastiana não se importa, admira o filho daquele jeito: é o que Deus deu. O marido, morto há 25 anos, batia nele. Mas ela não, ela sempre teve calma.

Apesar de não movimentar a perna direita, Pedro faz caminhadas todos os dias pela quadra. Empurrando um velho carrinho de supermercado, ele segue improvisando os passos. Com pedaços de uma bicicleta quebrada da serralheria, ele achou uma maneira de fazer exercícios. Disseram que é bom. Algumas coisas do corpo do Pedro também são da serralheria.

Sebastiana volta para casa pelas seis da tarde. Não tem dormido direito. O homem que aluga a peça do lado direito da sua bate nas paredes, arranca pedaços. Ela está procurando outro lugar, mas é coisa demorada, é difícil encontrar espaço para algumas coisas velhas.
Encontra a mulher que mora na peça do lado esquerdo, com uma filha, as duas trabalham com antiguidades:
- A nossa velhinha, como vai a nossa velhinha...- diz a mulher. Encosta a mão no ombro de Sebastiana e ela dá um sorriso agradecido.
- E os negócios, minha filha... – Sebastiana sempre preocupada, querendo saber das pessoas e de suas vidas.
- Vendendo pouco, vendendo pouco.
As duas entram na casa branca e comprida de janelas marrom.

Pedro empurra o carrinho pela calçada de volta para a serralheria. Está atento ao movimento que acontece lá. Ele sabe que o Vilmar anda metido com coisa ruim. Durante a noite o movimento cresce ainda mais na serralheria. Pedro se tranca no quartinho, fica quieto. Eles vêm aqui, cheiram e ficam loucos. Pedro pensa em mudar de lugar, procurar outra casa. Mas é coisa demorada, é difícil encontrar espaço para algumas coisas velhas. Antes de entrar na serralheria, Pedro ouve uma porta batendo e olha para o outro lado da rua: uma casa branca e comprida de janelas marrom.


***Adriane Canan
*Conto publicado no livro do 6 Concurso de Conto e Poesia do Sinergia.

2 comments:

Adriano Piekas said...

putz, que conto belo, Adri!
o cotidiano que passa por nossos olhos e não vemos, ou não queremos. o cotidiano que também vivemos.

Carla Diacov said...

adriane, adorei essa coisas que te dão vontade de escrever!


beijim!