Hipótese de trajetória para um vestido de noiva
Cena 1 - Quarto de casa do interior - Interior
É novembro de 1978. Uma mulher, ELA, 24 anos, olha-se no espelho. Vemos apenas detalhes do seu rosto, do seu corpo. Não sabemos como ELA é realmente. Ouvimos sua respiração ofegante. Está vestida de noiva. O corte do vestido é clássico, discreto. Renda bem ajustada num corte perfeito. O cabelo está preso por um laço com pequenas flores que arrematam o penteado. Em cima da cama, que está logo atrás da mulher, vemos uma mala de roupas. A mala é vermelha e está aberta.
Cena 2 - Igreja - Interior
Um homem, ELE, 28 anos, está no altar. Vemos apenas detalhes de seu rosto, não sabemos como ele é realmente. Ouvimos sua respiração ofegante. Poucas pessoas espalham-se pelos bancos da igreja.
Cena 3 - Rodoviária de interior - Externa
O ônibus chega. ELA está na rodoviária - uma pequena casinha de madeira pintada de verde e azul, com uma porta apertada - com o mesmo vestido de noiva e a mala vermelha na mão. O cabelo está solto. Não há mais flores.
Cena 4 - Igreja - Interna
Detalhes dos bancos, do chão, das imagens da igreja. Ouvimos a respiração ofegante dELE.
Cena 5 - Rodoviária do interior - Externa
O ônibus parte. Ouvimos a respiração ofegante dELA. É o único som.
Cena 6 - Ginásio do Corpo de Bombeiros - Interno
É novembro de 2008. Num ginásio do Corpo de Bombeiros, em Florianópolis, voluntários separam donativos para os atingidos pelas chuvas em Santa Catarina. No monte dos vestidos, um vestido de noiva, corte clássico, discreto. Algumas manchas amareladas. Do outro lado, no amontoado de coisas a triar, uma mala vermelha. Ainda há uma respiração ofegante no ar.
(O vestido de noiva e a mala vermelha estavam, realmente, entre as montanhas de donativos no centro de triagem do Corpo de Bombeiros, da Trindade, na Capital, na tarde deste domingo, 30 de novembro. O resto é pura ficção).
5 comments:
Adriane,
adorei o texto. O destino sugerido de diversas formas a partir da mala vermelha que você viu, e daí o vestido, a magnitude de seu rastro. É isso, a sugestão quase hipnótica da tua escrita, pura linguagem límpida e transparente.
Chico Pereira
Dri,
antes de ler eu tinha imaginado um texto do ponto de vista do vestido. Ele mesmo contando a seu caminho até a montanha de donativos...mas a sua solução ficou dilíííííííça memo. Fiz o filminho dentro da cabeça com um risinho no canto da boca. Tu é foda.
10Bju
que legal!!!
um pouco de poesia em meio ao caos :D
Só tu mesmo, guria.
Ter a sensibilidade de perceber que cada uma destas coisinhas doadas tem uma história, uma tragetória, uma alma. Só tu mesmo para para colher flores num jardim que já não há.
Poesia há. Sempre. De sobra.
Pox, cumadre, fiquei eu cá, de pura inveja, 'maginando e maquinando também a história desse vestido de noiva... e dessa mala vermelha.
Deixa eu fazer? Deixa eu fazer? Posso? Posso?
beijos paraibanos.
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