Wednesday, July 16, 2008

De pertencimentos

Adriane Canan

Epifânia sempre foi mulher de posses. Anote-se: um fusca amarelo, ano 67 - que ela guarda envolto numa capa de pano marrom, um papagaio rouco, três sacolas de feira bordadas à mão, dois jogos de louça bem bonita, sete toalhas de prato pintadas para cada dia da semana, uma casa de madeira, anos 50, silenciosa, encolhida entre dois prédios do centro da cidade, e um suspiro inacabado, preso no fundo do peito.

A verdade é que pouco importa para a história saber o que Epifânia possui. Por direta oposição, nos interessa aquilo que falta. E se o que tem já está listado, apontemos, então, o que ficou vazio. Anote-se: o lado direito de uma cama de casal herdada dos pais, falecidos há 30 anos, quando ela beirava os 45, o lado esquerdo de um armário de madeira com prateleiras, cabideiro para roupas e chapéu, espaço para três pares de sapato, e um bom dia amor numa manhã de inverno.

É tudo.